Pré-concepções

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Introdução  

            Segundo uma visão construtivista, um dos aspectos mais importantes para a definição de uma estratégia de ensino-aprendizado é o estudo das concepções alternativas que os estudantes apresentam em várias áreas da ciência.  A partir da segunda metade da década de 70, iniciou-se um enorme trabalho de identificação das pré-concepções em ciências, tendo sido publicados até agosto de 2002 mais de 6000 artigos sobre o assunto (Duit, 2002). A identificação correta destas concepções alternativas apresenta problemas que demandam investigação de vários aspectos.  Podemos citar a adequação dos métodos e contextos usados na investigação, a correlação das concepções com o desenvolvimento mental dos indivíduos, a dependência de fatores motivacionais e socioculturais, e a evolução das concepções no tempo em função do processo de ensino.

            No processo de identificação são usados vários métodos de investigação tais como entrevistas estruturadas ou semi-estruturadas, questionários de multípla escolha e questionários com respostas em aberto (Driver et al, 1996). As entrevistas mostram-se os métodos mais efetivos na identificação das concepções alternativas, embora sua aplicação não possa ser extensiva a ponto de se fazer inferências estatísticas mais amplas sobre a população estudada.  Já os questionários de multipla escolha, embora permitam inferências estatísticas sobre a população de estudantes, constrangem a escolha ao número de opções estipulado para cada ítem, obscurecendo quaisquer variações de visão entre as opções, além do texto da questão poder ser entendido, por uma parte dos estudantes, de maneira diferente da desejada pelos pesquisadores. Os questionários com respostas em aberto são um modo de contornar algumas das objeções apresentadas acima representando um meio termo, entretanto, a interpretação das respostas depende de certo modo da visão de quem as analisa.

            Outro ponto refere-se a quando as questões estão colocadas em contextos específicos ou dentro de um contexto geral. Na abordagem sem contexto específico é impossível, as vezes, dizer o que os estudantes tinham em mente quando deram a resposta.  Suas respostas estão baseadas em exemplos específicos não declarados.  Colocar as questões dentro de um contexto específico evita estes problemas, mas torna mais difícil generalizar a partir das respostas obtidas.  Estes problemas podem introduzir erros no diagnóstico das concepções alternativas devido ao contexto usado (Palmer, 1998).

            Outro aspecto importante é verificar como as pré-concepções estão relacionadas com o desenvolvimento mental dos indivíduos. Se adotarmos a visão da Epistemologia Genética de Piaget, são 4 os estágios de desenvolvimento experimentados por uma criança: estágio sensorimotor, estágio de pré-operações, estágio de operações concretas e estágio de operações formais.  No estágio sensorimotor (0-2 anos), a inteligência atua sob a forma de ações motoras.  A inteligência no período de pre-operações (3-7 anos) é intuitiva por natureza. A estrutura cognitiva durante o estágio de operações concretas (8-11 anos) é lógica mas dependente de referências concretas.  No estágio de operações formais (12-15 anos), o pensamento envolve abstrações. Segundo Piaget o desenvolvimento cognitivo consiste de um esforço constante para se adaptar ao ambiente em termos de assimilação e acomodação.

            Existe uma quantidade muito elevada de estudos sobre concepções alternativas de crianças, na faixa de 6 a 15 anos, em várias áreas da ciência. A quase totalidade dos trabalhos apresenta uma abordagem através da idade (cross-age), isto é, examinam estudantes de diversas faixas etárias e/ou niveis de escolaridade. Alguns poucos estudos foram feitos sobre como as concepções alternativas evoluiram ao longo do tempo para um mesmo grupo de estudantes - uma abordagem longitudinal (Kikas, 1998). O baixo número de pesquisas com abordagem longitudinal compreende-se pela dificuldade de manter contacto com o mesmo grupo de estudantes por vários anos.

A maioria dos trabalhos sobre concepções alternativas baseia suas conclusões em entrevistas com poucas pessoas, resultando que as generalizações, quando feitas pelos autores, carecem de validade estatística, dado o pequeno número de entrevistados.  Para inferir dados sobre uma população de estudantes é preciso considerar uma amostra maior e, consequentemente, a adoção de questionários de múltipla escolha. Um interessante estudo quantitativo, desenvolvido por Sadler (1998), com 1250 estudantes dos níveis 8 a 12 (Sistema Americano), foi feito usando-se um questionário de múltipla escolha modificado, que introduzia a noção de “distratores” para refletir os ganhos na compreensão do desenvolvimento cognitivo. Os “distratores” são itens de uma dada questão baseados nas pré-concepções conhecidas para àquela questão, que dificultam a resposta correta. Na análise dos testes de múltipla escolha foi usada a teoria IRT (Item Response Theory) (Baker, 2001), que fornece uma base para fazer previsões e estimativas ou as habilidades medidas por um teste.

            As pré-concepções dos professores, que certamente influenciam na consolidação ou modificação das concepções dos estudantes, tambem foram objeto de estudos. Constatou-se um efeito de retro-alimentação nas concepções dos professores, isto é, as idéias dos professores sobre o assunto sendo ensinado mudam durante o curso, tornando-se científicamente mais precisas e com maior profundidade, devido às pre-concepções apresentadas pelos alunos em sala de aula (Dickinson, 1998). As questões levantadas pelos alunos obrigam os professores a reconsiderar seus pensamentos a respeito de idéias científicas.

            Em resumo, para responder as questões o que e como ensinar os conceitos científicos, é preciso primeiro fazer um diagnóstico do conhecimento inicial dos estudantes, isto é, das pré-concepções.  Estas pré-concepções podem depender de vários fatores tais como nível cognitivo, faixa etária, sexo, nível socio-econômico e cultura. Segundo a visão construtivista, o conhecimento das concepções apresentadas por crianças são fundamentais para o estudo dos mecanismos essenciais que proporcionam uma mudança conceitual, isto é, quuais processos são os responsáveis pelo assimilação dos novos conceitos, substituindo os antigos.  

Bibliografia