A Ciência Cognitiva

 

Precursores

As investigações sobre a natureza do conhecimento começaram no século IV antes de Cristo, quando na Grécia Antiga, Platão fundou uma escola de filosofia para difundir as idéias de Sócrates.

De acordo com Platão (e, presumidamente, também com Sócrates). O domínio do conhecimento por excelência era inerente à matemática e às ciências exatas. As formas mais puras de conhecimento eram formas idealizadas que podem ser somente vislumbradas na realidade mundana. Uma compreensão de todas as questões do conhecimento genuíno já era implantada na alma humana desde o nascimento. Como vemos no diálogo do Menon (no qual Sócrates ensina geometria para um jovem escravo, Menon), a tarefa de instrução era apenas levar até a consciência idéias que sempre estiveram na alma.

O interesse grego pela natureza do conhecimento repercutiu através da tradição intelectual do Ocidente. Na Idade Média, as idéias de Aristóteles (rejeita a doutrina das idéias inatas substituindo-o pela tábula rasa) influenciaram grandemente as discussões teológicas sobre conhecimento. Em seguida, durante o Renascimento e o Iluminismo, os filósofos continuaram a discussão, recorrendo às ciências empíricas. Pensadores como Descartes, Locke e Kant lidaram com questões teóricas e empíricas a respeito do conhecimento. No final do século XIX, ocorreu uma proliferação de novas ciências e especializações filosóficas que discutiam a natureza da mente humana, como a psicologia, a lingüística, a antropologia, a sociologia e várias neurociências.

Hoje, equipados com novas ferramentas e novos conceitos, um novo quadro de pensadores denominados cientistas cognitivos investigam muitas das questões que já preocupavam os gregos há aproximadamente 2500 anos.

Segundo Gardner (1996, p.18-19):

"Assim como seus antigos colegas, os cientistas cognitivos de hoje perguntam o que significa conhecer algo e ter crenças precisas, ou ser ignorante ou estar errado. Eles procuram entender o que é conhecido - os objetos e sujeitos do mundo externo - e as pessoas que conhece - seu aparelho perceptivo, mecanismo de aprendizagem, memória e racionalidade. Eles investigam as fontes do conhecimento: de onde vem, como é armazenado e recuperado, como ele pode ser perdido? Eles estão curiosos com a diferença entre indivíduos: quem aprende cedo ou com dificuldade: o que poder ser conhecido pela criança, pelo cidadão de uma sociedade não letrada, por um indivíduo que sofreu lesão cerebral, ou por um cientista maduro?

Além disso, os cientistas cognitivos, novamente como gregos, conjeturam a respeito dos vários veículos do conhecimento: o que é forma, uma imagem, um conceito, uma palavra; e como estes 'modos de representação' se relacionam entre si? Eles se perguntam sobre as prioridades de órgãos sensoriais específicos em contraposição a uma 'compreensão geral' ou 'senso comum' central. Eles refletem acerca da linguagem, observando o poder e as armadilhas trazidos pelo uso das palavras e a sua possível influência predominante sobre pensamentos e crenças. E especulam extensivamente a respeito da natureza da própria atividade de conhecer: por que nós queremos conhecer, quais as restrições do conhecimento, e quais são os limites do conhecimento científico sobre o conhecimento humano?"

No entanto, a ciência cognitiva não é idêntica em tudo aos gregos. Os cientistas cognitivos estão totalmente ligados ao uso de métodos empíricos para testar suas teorias e suas hipóteses, para torná-las passíveis de refutação. Além disso, as novas disciplinas, como a Inteligência Artificial, as novas questões, como a possibilidade de máquinas construídas pelo homem pensarem, e a integração com os avanços de outras áreas de conhecimento colaboram para o seu desenvolvimento.

Os fundamentos da ciência cognitiva

Em setembro de 1948, um grupo de cientistas representando várias áreas reuniu-se na California Institute of Technology num congresso sobre "Mecanismos Cerebrais do Comportamento". Este congresso tinha como objetivo a discussão de uma questão clássica: como o sistema nervoso controla o comportamento.

Esse congresso, denominado Simpósio de Hixon, foi apenas um dos inúmeros encontros realizados por cientistas de orientação cognitiva, mas foi especialmente importante por causa de dois fatores: a ligação que fez entre cérebro e o computador e o desafio implacável que lançou ao behaviorismo.

Alguns inputs teóricos foram fundamentais para o desenvolvimento da ciência cognitiva:

Matemática e lógica: Alan Turing desenvolveu uma máquina simples que seria capaz de executar qualquer cálculo concebível. A demonstração de Turing e o teorema que ele provou foi de extrema importância para aqueles pesquisadores interessados em máquinas computadoras.

O modelo neuronal: Warren McCulloch e Walter Pitts mostraram, nos inícios dos anos 1940, que as operações de uma célula nervosa e suas conexões podiam ser modeladas em termos da lógica. Graças a essa demonstração, a idéia da máquina de Turing apontava agora para duas direções: um sistema nervoso composto de inúmeros neurônios tudo-ou-nada e um computador capaz de realizar qualquer processo que possa ser descrito de forma inequívoca.

As síndromes neuropsicológicas: as tragédias da guerra permitiram o estudo dos perfis das incapacidades cognitivas que resultavam de danos ao cérebro humano. Através do intercâmbio das descobertas de vários pesquisadores, descobriu-se que poderia haver muito mais regularidades na organização das habilidades cognitivas do sistema nervoso do que era admitido por explicações inteiramente ambientais dos processos mentais. Esses estudos ofereceram muitas sugestões significativas sobre como a mente humana pode ser organizada em indivíduos normais.

A teoria da informação: Na sua dissertação de mestrado, Claude Shannon, a quem geralmente se atribui a criação da teoria da informação, apresentou a sugestão precoce de que circuitos elétricos (do tipo dos do computador) poderiam conter operações fundamentais de pensamento. Nos dez anos seguintes, em parceria com Warren Weaver, passou a desenvolver a idéia principal da teoria da informação - a informação pode ser concebida de uma forma totalmente divorciada de qualquer conteúdo ou assunto específico, simplesmente com a decisão única entre duas alternativas igualmente plausíveis.

Existe um consenso entre os pesquisadores sobre o ano em que a ciência cognitiva foi oficialmente reconhecida, 1956, por ocasião do Simpósio sobre Tecnologia da Informação realizado no Massachusetts Institute of Technology.Neste ano foram apresentados artigos de fundamental importância para a ciência cognitiva:

Na década seguinte, essas idéias cresceram rapidamente. Jerome Bruner e George Miller fundaram, em Harvard, o Centro de Estudos Cognitivos, responsável pela divulgação e estudos das idéias mais novas nas áreas cognitivas.

Durante os anos 1960, livros e outras publicações tornaram disponíveis para o público as idéias do centro e de outros locais de pesquisa.

No final dos anos 1970, a Fundação Alfred P. Sloan deu início a um programa de cinco a sete anos, envolvendo compromissos de vinte milhões de dólares. Este investimento foi oferecido, primeiramente, a muitas instituições de pesquisa, mas, no final, se concentrou nas principais universidades. Num relatório solicitado pela fundação em 1978, doze dos principais estudiosos do projeto elaboraram um figura com as inter-relações entre os seis campos constituintes da ciência cognitiva - o hexágono cognitivo (vide Figura 1.1).

Figura 1.1: O hexágono cognitivo

Definição e Domínio

Segundo Gardner (1996, p.19), a ciência cognitiva é "um esforço contemporâneo, com fundamentação empírica, para responder questões epistemológicas de longa data - principalmente aquelas relativas à natureza do conhecimento, seu desenvolvimento e seu emprego."

Segundo ele, cinco aspectos são fundamentais para caracterizar a ciência cognitiva:

Representações: a ciência cognitiva está fundada sobre a crença de que é necessário postular um nível de análise separado, chamado "nível da representação". Neste nível, o cientista trabalha com entidades representacionais tais como símbolos, regras, imagens e investiga as formas nas quais estas entidades são combinadas, transformadas ou contrastadas umas com as outras.

Computador: além de servir como um modelo do pensamento humano, o computador funciona como uma ferramenta valiosa para o trabalho científico cognitivo - a maioria dos cientistas cognitivos o utiliza para analisar os seus dados, e um número crescente destes cientistas tenta simular processos cognitivos nele. Assim, muitos consideram a Inteligência Artificial a disciplina central da ciência cognitiva.

Desenfatização da emoção, do contexto, da cultura e da história: os cientistas cognitivos da linha dominante tentam excluir no máximo esses elementos, senão a ciência cognitiva poderia se tornar inviável, querendo explicar tudo, acaba não explicando nada.

Estudo interdisciplinar: pesquisadores acreditam que as interações produtivas com profissionais de outras disciplinas possa levar a "insights" mais poderosos do que os que foram alcançados da perspectiva de uma disciplina isolada. Alguns pesquisadores acreditam que um dia os limites entre as disciplinas possam ser atenuados, ou, quem sabe, desaparecer completamente, produzindo uma única ciência cognitiva.

Raízes em problemas filosóficos clássicos: funcionam como um ponto de partida lógico para as investigações da ciência cognitiva, no entanto, nem todo cientistas cognitivos concordam que esse ponto seja relevante.


Para saber mais:

Livros e publicações:

GARDNER, Howard. A nova ciência da mente. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996.

POZO, Juan Ignácio. Teorias Cognitivas da aprendizagem. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

STILLINGS, Neil A. Cognitive Science: an introduction. Cambridge: Massachusetts Institute of Technology, 1989.

THAGARD, PAUL. Mente: introdução à ciência cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 1998.

Links:

http://carbon.cudenver.edu/~mryder/itc_data/cogsci.html

Página com informações das celebridades da ciência cognitiva.

http://www.lsi.usp.br/~hdelnero/

Página do médico psiquiatra Henrique Schützer Del Nero, contendo os seus trabalhos publicados, incluindo sua tese de mestrado e doutorado, sobre ciência cognitiva, modelos de cérebro e mente e neurociência.

http://www.geocities.com/discursus/html/cognitiv.html

Página de um curso de Ciência Cognitiva com resumos de partes do livro "A nova ciência da mente" de Howard Gardner, além do "Como a mente funciona", de Steven Pinker e "Mente" de Paul Thagard, escritos por Antônio Rogério da Silva.

http://www.geocities.com/discursus/html/contempo.html

Página sobre filosofia contemporânea, discutindo temas como ciência cognitiva, epistemologia, ética, política, filosofia da linguagem, metafísica, psicologia e teoria da escolha racional.

http://www.gomestranslation.com/

Traduções em geral e pesquisa em neurociência, linguagem, cognição e disciplinas correlatas.

http://www.cc.gatech.edu/cogsci/

Página em inglês do Programa de Ciência Cognitiva da Georgia Tech, formado por um conjunto multidisciplinar de faculdades, pesquisadores e estudantes que estudam a cognição no contexto dos problemas reais do mundo. Grande número de trabalhos disponíveis on-line.

 

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