Lingüística

 

A Lingüística de uma época anterior

Desde a época clássica, estudiosos discutem sobre as regularidades da língua e sua caracterização definitiva: a língua é parte da natureza ou parte da cultura? Eles desenvolveram um sistema de categorias gramaticais, baseado no grego e no latim, e estudaram a retórica. Na Índia, no século IV a.C., Paninni criou uma gramática mais sofisticada do que a dos greco-romanos. Na Renascença, a tradição filosófica clássica atingiu seu ápice através da aplicação da análise textual e da crítica em vários campos. Com o início da navegação, a curiosidade sobre as novas línguas dos povos da África, América e Ásia, também aumentaram, chegando até a serem realizadas viagens somente para coletar informações.

Um acontecimento importante ocorreu em 1786, quando Sir William Jones relatou à Sociedade Bengaliasiática que o sânscrito tinha uma semelhança impressionante com as línguas do grego e do latim. Jones propôs que todas as línguas teriam uma origem comum, o que provocou grande surpresa no mundo acadêmico, que até então assumia que o latim havia sido uma espécie de grego deteriorado, e que a maioria das línguas tinham apenas sido derivadas do latim.

A partir das descoberta de Jones, os lingüistas e filósofos puseram-se a descobrir as leis que governam as mudanças das línguas. Jakob Grimm encontrou semelhanças sistemáticas entre os sons do alemão e os do grego, do latim e do sânscrito.

Nos anos de 1860 e 1870, os neogramáticos, insatisfeitos com uma mera coleção ou taxonomia de regularidades, afirmaram que as mudanças fonêmicas não admitiam exceções.

Saussure, tido como o primeiro lingüista da época moderna, contrastou a lingüística diacrônica (que se concentrava em mudanças da língua através do tempo) com a lingüística sincrônica (o estudo da língua como um sistema em um momento único no tempo). Segundo ele, grande parte da importância da língua podia ser entendida separadamente das preocupações comparativas e evolucionárias que haviam dominado o trabalho de seus predecessores e a sua própria formação inicial. No entanto, outras contribuições dele para a língua também foram notáveis. Saussure introduziu uma distinção entre língua (ou langue) como um sistema global de regularidades e fala (ou parole), que são as expressões reais em si. O verdadeiro objetivo do lingüista é a langue de cada comunidade: as regularidades do léxico, da gramática e da fonologia que toda pessoa absorve ao ser criada numa comunidade particular de fala.

Após ter lançado uma ciência da lingüística, a escola de Saussure foi seguida em vários outros lugares, principalmente em Praga, nos anos de 1920 e 1930. Sob a liderança de Roman Jakobson e Nicolai Trubetskoi, a escola de Praga exibia amplos interesses, mas provavelmente ficou mais conhecida pelo seu trabalho em fonologia. Em vez de considerar os fonemas como a menor unidade de análise, os viam como um conjunto de características distintas. Cada um era composto de uma série de características articulantes e se distinguia de todos os outros da língua pela presença ou ausência de pelo menos uma característica. Essas características são definidas em termos de propriedade perceptivas, físicas e motoras, formando conjuntos de doze oposições básicas a partir das quais cada língua faz as suas próprias escolhas.

A lingüística nos Estados Unidos também foi construída à sombra do programa de Saussure, mas, em virtude da influência esmagadora de um único lingüista, Leonard Bloomfield tomou um rumo histórico um tanto diferente. Bloomfield empenhou-se em encontrar a melhor forma de descrever os padrões sonoros e regularidades das línguas. A identificação de estruturas constituintes como um meio de análise sintática é um produto do seu trabalho.

Bloomfield concebia toda a língua como um fenômeno puramente físico e rejeitava qualquer traço psicológico ou mentalista na explicação do comportamento lingüístico. Ele declarou sua posição a favor do behaviorismo, do mecanismo e do operacionalismo.

Mas se Bloomfield dominava o cenário da lingüística, ele não a controlava completamente. Edward Sapir também foi responsável por avanços nesse campo. Ao contrário de Bloomfield, ele não evitava o significado. Propôs a hipótese de que os próprios processos do pensamento de uma pessoa são estruturados, se não controlados, pelas propriedades particulares da língua que ela fala.

As idéias de Sapir continuaram a ser desenvolvidas por seu aluno Benjamin Lee Whorf. Whorf não fugiu da conclusão de que mesmos as nossas noções mais básicas talvez sejam derivadas da língua. Segundo ele, a nossa visão da natureza é profundamente influenciada pela nossa língua materna.

No entanto, assim como grande parte do trabalho em semântica do período, os trabalhos de Sapir e Whorf foram considerados periféricos à linha dominante dos lingüistas - difícil demais para ser aproveitado, contaminado demais pelo "mundo real" e pela perigosa noção de "significado", não suscetível de documentação ou prova suficiente.

Na verdade, Sapir e Bloomfield encontravam-se em acentuada oposição um ao outro. Bloomfield era um pesquisador rigorosamente científico, concentrando-se na metodologia e na análise formal. Sua insistência em uma abordagem estritamente mecanicista dos significados e sua atitude pessimista com relação à semântica contribuíram para o relativo abandono desse assunto. Já Sapir, não tinha medo de tocar na cultura, na conceitualização e no mundo do significado. Paradoxalmente, partilhava muito das intuições de Chomsky a respeito da estrutura lingüística, mas pouco das inclinações formalistas tanto de Bloomfield como de Chomsky.

Quando Bloomfield morreu em 1949 acreditava-se que a Lingüística estava em pleno desenvolvimento e que era questão de tempo até que as várias formas e níveis da linguagem fossem completamente descobertos. Os avanços em campos como a teoria da informação e os modelos estocásticos, fizeram com que os lingüistas acreditassem que os computadores poderiam assumir a tarefa da análise lingüística.

No entanto, com o fim da hegemonia da filosofia empirista e da psicologia behaviorista, a teoria de Bloomfield perdeu a base sobre a qual havia sido criada. Tentando reparar a lingüística estruturalista, surge em 1957 a monografia de Chomsky, "Syntatic Structures".

Os trabalhos de Chomsky

Em "Syntatic Structure", e em outros inúmeros trabalhos, Chomsky chamou a atenção para as propriedades da sentença que todos os falantes e ouvintes normais conhecem intuitivamente, mas que, teoricamente, dependem de um profundo conhecimento da língua que só os lingüistas poderiam ter.

Chomsky não foi o primeiro a propor que os seres humanos já teriam uma gramática pré-formada. Outros estudiosos como Lewis Carrol e Edward Sapir já haviam proposto algo parecido, mas ninguém foi tão fundo como Chomsky. Segundo Chomsky, os seres humanos possuem regras que lhes permite distinguir as frases gramaticais das frases agramaticais, captando as intenções do falante nativo sobre as relações que existem entre as palavras e entre as sentenças. O seu objetivo explícito de estudar a sintaxe e o sucesso no desenvolvimento de métodos dirigidos à realização deste objetivo, fizeram com que seu trabalho sobressaísse aos de outros estudiosos da língua. Sua convicção mais geral de que vários domínios da mente (tal como a linguagem) operam em termos de regras ou princípios, que podem ser descobertos e enunciados formalmente, constitui seu principal desafio à ciência cognitiva contemporânea.

Chomsky acredita que não será possível chegar as regularidades próprias de cada língua através da observação dos dados da língua para discernir expressões empiricamente observadas. Ao contrário, era necessário trabalhar dedutivamente, tentando entender que tipo de sistema é a linguagem e expondo as conclusões em termos de um sistema formal. Tal análise levaria à postulação de regras que possam explicar a produção de qualquer sentença gramatical concebível sem contudo gerar sentenças incorretas ou agramaticais.

Desse modo, ele adotou dois pressupostos: examinar a sintaxe da língua independente de outros aspectos e proceder aos estudos lingüísticos independente de outras áreas da ciência cognitiva. Na maioria dos casos, esses pressupostos contribuíram para tornar a lingüística uma área da ciência de rápido desenvolvimento.

Para atingir esse objetivo Chomsky deveria mostrar que os métodos existentes para analisar a sintaxe e explicar sentenças aceitáveis, a gramática de estado finito e a gramática estrutural, não funcionavam. Em relação a gramática de estados finitos, mostrou que ela é inerentemente incapaz de representar as propriedades recursivas das construções do inglês: isto é, por natureza, uma gramática de estado infinito não pode gerar sentenças nas quais uma oração esteja inserida em outra ou dependa dela. A gramática estrutural trabalha com um conjunto inicial de cadeias, juntamente com um conjunto finito de estruturas de frases, onde uma frase pode ser reescrita de outra forma admissível. Segundo Chomsky essa gramática só consegue gerar, com grande dificuldade, algumas sentenças, além de não conseguir captar ou explicar muitas das regularidades que qualquer falante do inglês percebe, além de não oferecer nenhum mecanismo para combinação de sentenças. Assim, Chomsky julgou necessário introduzir um novo nível de estruturas lingüísticas que eliminassem estas dificuldades e possibilitasse a explicação de todo o conjunto de sentenças da língua, a gramática transformacional.

Na gramática transformacional, postula-se uma série de regras pelas quais as sentenças podem ser relacionadas umas às outras e onde uma sentença (a representação abstrata de uma sentença) pode ser convertida ou transformada em outra. Transformações são um conjunto de algoritmos de procedimentos que ocorrem em ordem prescrita e permitem que se converta uma seqüência lingüística em outra. Assim, uma transformação permite que se converta uma sentença ativa em uma sentença passiva, uma expressão afirmativa em uma negativa ou interrogativa.

Chomsky viu a função do lingüista de forma diferente da de seus predecessores. Sua visão de geração gramatical baseava-se na noção de um autômato - uma máquina em um sentido abstrato simplesmente gera cadeias lingüísticas com bases em regras que foram embutidas (programadas) dentro dele. Evidentemente, Chomsky era filho de uma nova era de Wiener, von Newmann, Turing e Shannon, embora -de forma igualmente evidente - algumas de suas idéias específicas sobre como a língua funciona sejam diretamente contrárias às noções da teoria da informação.

Tanto em sua ênfase na sintaxe pura como em seu desejo de estudar a linguagem como uma forma ideal, Chomsky estava dramaticamente em desacordo com o behaviorismo da época.

O conflito com a teoria behaviorista de Skinner

Chomsky aos poucos revelou a sua oposição fundamental ao conjunto completo de pressupostos empiristas da maioria dos cientistas, e de quase todos os lingüistas, de sua época. Inicialmente, sua crítica ao livro "Verbal Behavior", de Skinner, tornou-se famosa.

Skinner tentava explicar o comportamento lingüístico - e a ênfase era no comportamento - em termos das mesmas cadeias de estímulos-respostas e leis de reforço que ele invocara para explicar o comportamento de organismos inferiores - como abicada de pombos ou a corrida dos ratos em labirintos. Ele ignorava as intricadas propriedades estruturais da linguagem que fascinavam Chomsky (e outros lingüistas). Skinner ignorava completamente aspectos criativos da linguagem. Salientando o infinito potencial expressivo da linguagem, Chomsky argumentou que não faz sentido conceber o output lingüístico como sendo limitado, em qualquer aspecto significativo, pelos estímulos que por acaso estão presentes.

Como outros empiristas do período, Skinner rejeitava a teoria abstrata. Chomsky, pelo contrário, julgava que os dados nunca falariam por si só, que era necessário assumir uma posição teórica e explorar as conseqüências dessa teoria. Apoiando-se explicitamente no trabalho de Descartes de aproximadamente trezentos anos atrás, e tomando alguns trechos também das obras de Platão e Immanuel Kant, Chomsky argumentou que nossa interpretação do mundo baseia-se em sistemas representacionais que derivam da estrutura da própria mente e não refletem de nenhuma maneira direta a forma do mundo exterior.

A importância do trabalho de Chomsky

Apesar das inegáveis mudanças de ênfase e estratégia, é impressionante como Chomsky se manteve fiel ao programa que inicialmente apresentou à comunidade acadêmica em "Syntatic Structures" e vem seguindo desde seus vinte e poucos anos. A centralidade da sintaxe, a crença em um componente transformacional, a visão da semântica como uma interpretação de relações sintáticas básicas, tudo permaneceu.

A importância de Chomsky para a lingüística moderna pode ser comparada a de Saussure e Jacobson em épocas anteriores. Embora não sendo tão certa sua contribuição para as ciências cognitivas com um todo, suas demonstrações da precisão matemática implícita na linguagem, sua modelação da importância da pesquisa guiada pela teoria e seus fortes argumentos a favor do mentalismo, do nativismo e da modularidade, tornam o seu trabalho insubstituível.

Influências em outras ciências cognitivas

Um dos primeiros estudiosos fora da lingüística propriamente dita a tomar conhecimento do trabalho de Chomsky foi o psicólogo George Miller. Miller e seus alunos tentaram descobrir formas de demonstrar a "realidade psicológica" das transformações: sua hipótese era que os passos pelos quais uma sentença é teoricamente gerada e transformada também são seguidos pelo indivíduo vivo no processo de compreender ou produzir sentenças.

A psicolingüística teve uma grande influência de Chomsky. Nas últimas décadas a psicolingüística se tornou uma importante área de investigação, que abrange estudos da linguagem em crianças, de distúrbios da linguagem após situações de lesão cerebral, e do uso da linguagem em populações excepcionais como por exemplo a dos surdos. Muitos trabalhos em cada uma dessas áreas concentram-se nas habilidades sintáticas, com modelos de análise geralmente fornecidos por Chomsky. Algumas vezes esses modelos têm sido usados como meio de caracterizar os dados coletados, outras vezes, os dados têm sido usados para testar a realidade psicológica dos modelos - em que medida o comportamento lingüístico se desenrola de acordo com os princípios apresentados por Chomsky.

Quanto a Inteligência Artificial, várias das idéias principais de Chomsky não são facilmente implementadas em formatos computacionais. A IA é fortemente orientada para problemas práticos do desenvolvimento de programas que entendam sentenças ou histórias, e a estrutura centrada na sintaxe de Chomsky não é adequada para as questões principais de compreensão do discurso. Embora, a sua formalidade tenha agradado os pesquisadores da IA, sua visão platônica está ainda mais distante da maioria dos cientistas da computação do que do psicólogo ou filósofo mediano.


Para saber mais:

Livros e publicações:

CHOMSKY, Noam. Linguagem e mente. Brasília: Universidade de Brasília, 1998.

FARACO, Carlos Alberto. Lingüística Histórica. 2.ed. São Paulo:Ática, 1998.

FARIA, Núbia Rabelo Bakker. Buscando os limites do dado na aquisição da linguagem. Disponível em <http://sw.npd.ufc.br/abralin/anais_con2nac_tema014.pdf>. Acessado em 18 ago. 2002.

GARDNER, Howard. A nova ciência da mente. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996.

LOPES, Edward. Fundamentos da linguistica comtemporânea. São Paulo: Cultrix, 1995.

MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Ana Cristina. Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001. v.1.

MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Ana Cristina. Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001. v.2.

PINKER, Steven. O instinto da linguagem: como a mente cria a linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

STILLINGS, Neil A. Cognitive Science: an introduction. Cambridge: Massachusetts Institute of Technology, 1989.

Links:

http://www.marxists.org/reference/subject/philosophy/works/us/chomsky.htm

"Language and Mind - Linguistic Contributions to the Study of Mind (Future)" texto de Noam Chomsky (1968). A página é em inglês e possível links para páginas de outros pesquisadores, como Vygotsky, Locke, Saussure, Jakobson, Descartes.

http://monkeyfist.com/ChomskyArchive/

"Badnews: The Noam Chomsky Archive" Página em inglês com artigos, entrevistas, ensaios e outros materiais sobre Noam Chomsky.

http://zmag.org/Chomsky/

"The Noam Chomsky Archive". Página em inglês com o textos na íntegra dos maiores trabalhos de Chomsky, audio completo de várias palestras e numeorosos artigos, entrevistas e palestras.

http://www.mit.edu/~pinker/

Página oficial, em inglês, do professor Steven Pinker do Department of Brain and Cognitive Sciences do Massachusetts Institute of Technology.

http://www.ibict.br/cionline/290300/index.htm

Site da Revista Ciência da Informação com os artigos publicados pela revista, inclusive "A lingüística e a ciência da informação: estudos de uma interseção" de Ercilia Severina Mendonça.

http://www.cvlnet.net/guia_de_sites/index.htm

Comunidade Virtual da Linguagem, guia de sites da área.

http://www.inf.unisinos.br/~renata/

Página pessoal de Renata Vieira, incluindo vários artigos na área de Lingüística Computacional e Inteligência Artificial. O artigo "Lingüística computacional: princípios e aplicações" pode ser encontrado no endereço: http://www.inf.unisinos.br/~renata/anacort/jaia12-vf.pdf

http://cognet.mit.edu/Books/chomsky/

Página em inglês da biografia eletrônica de Noam Chomsky escrita por Robert F. Barsky.

http://www.synaptic.bc.ca/ejournal/chomsky.htm

Página do "The eJournal website" com vasto material sobre Noam Chomsky.

http://www.personal.kent.edu/~pbohanbr/Webpage/New/newintro.html

"Chomsky for Philosophers". Página em inglês dos trabalhos de Chomsky com ênfase filosófica.


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