Porto Seguro, o primeiro da classe

Professores bem remunerados, com dedicação
exclusiva, esportes e idiomas explicam a vitória
de uma instituição fundada há 123 anos

Ariel Kostman

 
Alunos do ensino fundamental hasteiam a bandeira na unidade Morumbi do Porto Seguro: ritual de toda sexta-feira

Sete horas da manhã, o professor entra na classe. Imediatamente, os alunos, impecáveis em suas calças azul-marinho, camisetas pólo e tênis brancos, levantam-se em sinal de respeito. Às sextas-feiras, todos param e cantam o Hino Nacional enquanto a bandeira do Brasil é hasteada no pátio. Você pensa que cenas como essas só eram vistas em escolas do passado? Elas acontecem todos os dias na unidade Morumbi do Colégio Visconde de Porto Seguro, um dos mais tradicionais da cidade. Mas, com certeza, não é por ser conservadora que a escola foi eleita a melhor de São Paulo pela pesquisa Veja São Paulo-Ipsos Marplan. É mais fácil encontrar a explicação nas salas, compostas de no máximo 35 estudantes, nos dezessete laboratórios com equipamentos de última geração, nos 62 000 metros quadrados de área verde e, é claro, na qualificação dos professores.

Para lecionar no Porto Seguro, o candidato se submete a uma seleção muito rigorosa. Após a análise do currículo e de um teste escrito, ele passa por dinâmicas de grupo. Por último, observado atentamente por um coordenador, dá uma aula prática para uma classe. Se for aprovado, passa a receber um dos mais altos salários do mercado e irá freqüentar cursos periódicos de capacitação. No Porto Seguro, um professor ganha em média 3 200 reais por mês. Isso faz com que 90% do corpo docente dê dedicação exclusiva à escola. Na rede privada de São Paulo, o salário médio é de 1 911 reais. "Em termos de salário, nossa escola não fica nada a dever a uma universidade", diz o professor de matemática Edimir Peterline, que depois de uma passagem pela Universidade de Brasília ancorou no Porto Seguro, onde leciona há 33 anos. "Pagamos muito bem a nossos professores", afirma Alfried Plöger, presidente da fundação que mantém a escola. "Mas exigimos bastante. Qualquer deslize é punido com demissão."


Antonio Milena

"Estudei no Porto de 1979 a 1991 e lá tive ótimas experiências. Eles se preocupam com a formação da pessoa e de seu caráter, e não apenas em passar conhecimento."
Robert Scheidt, pentacampeão mundial de iatismo


O colégio proporciona aos alunos a possibilidade de entrar em contato com três idiomas, além do português: o alemão, que começa a ser ministrado na 3ª série do ensino fundamental; o inglês, a partir da 5ª série; e o espanhol, com início na 8ª série. Semanalmente, os alunos têm, no mínimo, três aulas dedicadas ao ensino de línguas. É um diferencial importante em tempos de globalização. Cerca de 500 estudantes cursam um currículo alemão, o programa Abitur, que lhes permite concorrer a uma vaga em universidades da Alemanha. Esportes e artes também recebem atenção especial. Há pelo menos três aulas de educação física por semana e duas de educação artística. Para essas atividades, o colégio conta com oito quadras cobertas, duas piscinas aquecidas, quatro salas de arte e duas de música.

"Embora seja uma escola tradicional, o Porto Seguro está se modernizando", diz o físico Luís Carlos de Menezes, consultor do MEC e autor de vários livros sobre formação de professores. Criado em 1998, sob a direção da pedagoga Sonia Bittencourt, o Centro Pedagógico é o motor dessa modernização. "Quando entrei aqui, como professora, há treze anos, o diretor me disse que 2 metros era a distância mínima a ser mantida entre professor e aluno", lembra Sonia. "Hoje, felizmente, a afetividade já tem seu lugar na escola." Além de atuar na seleção de novos professores, o Centro Pedagógico cuida do processo de formação contínua do corpo docente. A escola se deu conta de que o aprendizado nos dias atuais é algo bem diferente do que era algumas décadas atrás. "O professor não pode mais ser apenas um transmissor de informações, pois seu papel é despertar no aluno o espírito crítico e o desejo pelo conhecimento", explica Sonia. Para atingir esse objetivo, ela trabalha com pequenos grupos, discutindo a teoria e a prática do ensino. "As mudanças são lentas, mas irreversíveis."

Crianças da 1ª série: aula de língua portuguesa na biblioteca

De fato, é possível encontrar no Porto Seguro uma professora que ensina matemática com jogos, como pega-varetas, ou um professor que explica conceitos de física organizando um campeonato de pontes feitas com macarrão. Para a professora de alemão Cristiana Busatto de Oliveira, ex-aluna da escola, o Porto Seguro teve de acompanhar a modernização e a evolução dos costumes. "A relação entre aluno e professor tornou-se mais informal", diz ela. Com tudo isso, estaríamos diante da escola ideal, na qual todos os pais sonhariam em matricular os filhos? Não, um colégio assim não existe. O que existem são estabelecimentos de ensino de primeira linha, mas cada um com sua pedagogia, sua proposta educacional e seu perfil disciplinar.

Por isso, apesar de todas as mudanças pelas quais passou nos últimos anos, o Porto Seguro não é a opção mais adequada a famílias liberais, como ilustra um episódio ocorrido em 1999 com o aluno Christian Montgomery, que tinha 15 anos e cursava a 8ª série. Sem consulta a seus pais, ele foi levado à enfermaria da escola para a retirada de um piercing que havia colocado na sobrancelha. No ano seguinte, Christian deixou de estudar lá. Seu pai, o ginecologista Malcolm Montgomery, considera o Porto Seguro um ótimo colégio, mas inflexível em termos de disciplina. "Eles não sabem lidar com adolescentes", afirma. "Por qualquer coisinha, mandam bilhete aos pais." Aluna da 7ª série, Elô Kyrmse teve problemas semelhantes depois de pintar o cabelo de azul – numa viagem justamente para a Alemanha, o país inspirador do colégio. "Fui mandada à diretoria, onde disseram que eu não podia ficar com o cabelo daquele jeito", conta ela. "Embora tenha mudado muito, a escola preserva valores como respeito e disciplina, com regras bastante claras e transparentes", diz o presidente da fundação, Alfried Plöger.

Laboratório de química: professor orienta experiências

Essa rigidez, por muitos considerada excessiva, tem evidentemente seus adeptos. Do contrário, o Porto Seguro não seria o segundo maior colégio de São Paulo, com mais de 6 500 alunos divididos em duas unidades na capital (há ainda outra, em Valinhos, com mais 2 371 matriculados). "As escolas hoje em dia deixam as crianças muito soltas", acredita Cristina Ribeiro Brunckhorst, mãe de dois alunos lá matriculados. "Acho ótimo que meus filhos aprendam a ter disciplina, cumprir horários e respeitar o próximo." A rigidez não diminui a qualidade do ensino e a seriedade do projeto pedagógico. "É uma escola bem puxada", diz Mariana Garbin, da 8ª série. "Em época de prova, estudo três horas por dia." Apesar disso, os níveis de repetência são baixíssimos. No ano passado, apenas 3,7% dos 962 adolescentes do ensino médio foram reprovados. A explicação é simples: recuperação contínua durante o ano e acompanhamento individual de cada aluno. Um dos reflexos disso é o alto índice de aprovação no vestibular. Neste ano, dos 252 formandos que prestaram exames em instituições de ensino superior, 70% conseguiram ingressar nas faculdades que desejavam. No ano passado, o índice foi de 83%.

A escola percorreu um longo caminho até chegar a esse nível de excelência. Em 1878, empenhado em garantir aos filhos de imigrantes alemães contato com a cultura e os valores de seu país de origem, um grupo de líderes da colônia decidiu fundar um colégio. Nasceu assim, na Rua Florêncio de Abreu, com 52 alunos e dois professores, a Deutsche Schule. À época, São Paulo tinha pouco mais de 100 000 habitantes. Cerca de 5 000 deles eram alemães. Em 1942, quando o Brasil entrou na II Guerra Mundial ao lado dos aliados, contra a Alemanha nazista, a Deutsche Schule, que passara a funcionar na atual Praça Roosevelt, precisou mudar de nome. Virou então Colégio Visconde de Porto Seguro, da mesma forma que o clube Germania foi rebatizado de clube Pinheiros e o Palestra Itália virou a Sociedade Esportiva Palmeiras. Foram tempos difíceis. Os quase 1 000 alunos do fim da década de 30 estavam reduzidos a 465 em 1950. A reviravolta ocorreu na década de 70. Em dez anos, o número de estudantes cresceu 690%. Eram 560 em 1970. Dez anos depois, passaram a ser 4 429. A mudança da região central para o Morumbi, em 1974, foi decisiva para esse crescimento espantoso. Orgulhosa com os resultados alcançados, a diretora-geral, Mariana Battaglia, resume em uma frase o que acredita ser a razão do sucesso do colégio: "O Porto é um colégio que prepara seus alunos para o futuro".

 

FIQUE DE OLHO

O Porto Seguro não é a escola adequada a famílias muito liberais. A disciplina é rígida. O uniforme é obrigatório em todo o ensino fundamental e os professores não hesitam na hora de mandar um aluno para a diretoria. A relação entre alunos e professores é marcada por uma formalidade muito maior que a encontrada em colégios de perfil menos conservador.

 

Escola gratuita, mas em salas separadas


Banda de música: no currículo


Há 35 anos, o Porto Seguro – cujas anuidades custam entre 6708 e 8448 reais – educa gratuitamente um grupo de crianças carentes da favela Paraisópolis, vizinha da escola. São 345 alunos, da pré-escola à 8ª série do ensino fundamental. Eles têm aulas com os mesmos professores da escola normal, recebem merenda, uniforme e material didático. Informática e música, com banda e coral próprios, estão incluídas no currículo. No último ano, os estudantes de Paraisópolis recebem orientação sobre escolas técnicas, são preparados para seus exames de admissão e assistem a palestras sobre profissões de nível médio. Mas há uma separação. Os alunos da chamada Escola da Comunidade não se misturam com os do curso normal. O horário de entrada é diferente. O do recreio também. Às mães dos alunos, a escola oferece cursos de bordado, crochê, pintura em tecido e corte e costura. A disputa por uma vaga é grande. Na última seleção, apresentaram-se 1500 candidatos para concorrer a 35 vagas. "Pretendemos ampliar esse atendimento nos próximos anos", promete o presidente da fundação, Alfried Plöger.

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