Tradição sem ranço

Santo Inácio é a escola campeã com
tecnologia, bons professores e sem
abrir mão de seus valores

Rubiana Peixoto

 

André Nazareth/Strana

Pátio do Santo Inácio: fundado em 1903, o colégio não parou no tempo

No saguão, um Cristo crucificado do século XVIII – relíquia trazida de Portugal para ornar a igreja dos jesuítas – vela pelos passantes. No prédio principal, predominam as linhas severas da arquitetura do claustro. Mas o Colégio Santo Inácio, fundado em 1903, não parou no tempo. O uniforme de gala de antigamente foi aposentado. Hoje, meninos e meninas desfilam de camiseta e calça jeans ou bermuda, alguns ostentando piercing. O melhor colégio da cidade segundo a pesquisa Veja Rio-Ipsos Marplan está na vanguarda da utilização da tecnologia no ensino. Os corredores que circundam o pátio interno levam a salas que abrigam seis laboratórios de informática, com cerca de 200 computadores, laboratório de robótica e um bem equipado núcleo de mídia, com ilha de edição profissional e câmaras de vídeos digitais, parafernália que está ao alcance dos alunos a partir da 1ª série. Professores e técnicos em informática dedicam horas extras, pagas pelo colégio, a pesquisar e criar novos softwares, mais adequados às propostas pedagógicas da casa. "O Santo Inácio não mantém seu foco na tecnologia por si, mas, sim, em sua utilização para o acesso ao conhecimento, a formação de valores, o aprendizado do trabalho em equipe", diz o diretor adjunto Luís Alberto Boing.

Os números da instituição são grandiosos. Diariamente, o conjunto de prédios da Rua São Clemente recebe, durante o dia, cerca de 3.200 alunos, da educação infantil ao 3º ano do ensino médio. À noite, a escola cinco-estrelas se transfigura em curso profissionalizante e atende 1.355 estudantes com renda familiar entre dois e quatros salários mínimos. É uma atividade constante das 7 às 22h30, que envolve também 460 funcionários e professores durante o dia, mais oitenta no curso noturno. Se durante o dia as famílias mais abonadas da Zona Sul pagam em média 7.712 reais por ano a alunos do ensino médio, à noite cobram-se 50 reais por semestre, mesmo assim quando o jovem tem condições de pagar. Alunos diurnos e noturnos compartilham os mesmos sofisticados equipamentos do núcleo de mídia, que atendeu neste ano 13.000 tempos de aula. A preocupação social da escola avança até o Morro Dona Marta. Ali, a associação de ex-alunos do colégio mantém, entre outras obras, duas creches, que atendem 166 crianças, e um ambulatório. Os trabalhos produzidos são de deixar muito marmanjo de queixo caído. Guris da 6ª série, de 12 e 13 anos, passaram três meses pesquisando e filmando os diversos estilos arquitetônicos do centro da cidade. O resultado foi tão bom que o documentário virou material didático. A turma da 4ª série, do alto de seus 10 anos, produziu oito matérias sobre criança, exibidas pela TVE. A 8ª série e o ensino médio produzem documentários e reportagens em favelas cariocas, na oficina de imagem batizada de Parceiros do Bem. Tudo é feito pelos alunos, desde a pesquisa para a criação do roteiro até a operação das câmaras e microfones e, por fim, a edição do trabalho.

Fotos André Nazareth/Strana
/Strana
Núcleo de Mídia (à esq.) e oficina de robótica: tecnologia é um dos pontos altos do ensino no Santo Inácio

O trabalho com recursos tecnológicos não começou de uma hora para outra. Eduardo Monteiro, coordenador do Núcleo de Mídia e Comunicação, conta que os colégios da Companhia de Jesus perceberam no fim da década de 80 uma verdadeira falência das metodologias então utilizadas, colocadas em xeque pelos jovens acostumados com modernas linguagens e tecnologias. Foi elaborado, então, um documento chamado Paradigma Pedagógico Inaciano (PPI), que refletia a necessidade de acompanhar as transformações nos colégios da Companhia. Uma equipe de pedagogos visitou o Santo Inácio em 1990, 1991 e 1992, discutindo com os coordenadores e professores maneiras de implantar concretamente essa nova metodologia. De lá para cá, os mestres e outros funcionários da casa continuam a se reunir duas horas por semana para discutir essa prática. "Existem professores resistentes, porque o que praticamos está distante dos modelos de educação que eles conheceram. Mas o colégio investe em sua especialização, arcando com até 50% do custo dos cursos", informa Monteiro.

Marcelo Alonso de Morais, de 32 anos, professor de geografia, garante que encontra no Santo Inácio mais liberdade para criar e experimentar materiais didáticos que em outras escolas onde leciona. Ele é autor de um jogo de buraco sobre climas, usado no ensino fundamental para mostrar ao aluno como ler gráficos e identificar tipos de vegetação, e de um jogo de tabuleiro sobre a Guerra Fria. Com as turmas mais adiantadas, ele desenvolveu videodocumentários sobre os diversos aspectos da água e uma homepage. Seus jogos mereceram um programa no Canal Futura. Mas Alonso alerta: "É impossível dar aula-show o tempo todo. Não se pode descartar a leitura, a exposição e a pesquisa".

Outra recente inovação do Santo Inácio é o laboratório de robótica, oficina extraclasse desenvolvida voluntariamente por alunos de 5ª e 6ª série. A turma de quinze alunos trabalha com kits de peças de montar, criando máquinas e resolvendo problemas matemáticos. "Nosso interesse não é simplesmente ensinar um conhecimento específico para o aluno, mas pesquisar como é que ele está resolvendo os problemas colocados pelas novas tecnologias e que estratégia aplicar", diz Eduardo Monteiro. E a garotada não pára de inventar moda. A turma criou um carrinho programado por sinal que pára na porta da garagem caso ela esteja fechada, espera, e só entra quando a porta se abre.

Fotos André Nazareth/Strana
Nazareth/Strana
Incentivo à participação: ex-alunos mantêm creche no Dona Marta (à esq.) e o professor Alonso cria seu material didático

O uso da tecnologia em prol da educação de forma equilibrada é aplaudido pelos pais, alguns deles ex-alunos. É o caso da advogada Maria Isabel de Sá Earp de Resende Chaves e de seu marido, Afonso Eduardo, cujas filhas mais novas cursam o ensino médio no colégio. "O Santo Inácio se preocupa em estar sintonizado com as mudanças, mas lá a tecnologia não é apenas uma vitrine. Está inserida de forma consciente nos valores propostos pela instituição", analisa Maria Isabel. "Existem muitos colégios no Rio com excelência de ensino, mas poucos dão aos alunos uma consciência crítica e uma capacidade de liderança que lhes permitam intervir na situação do país", acrescenta.

O estímulo ao engajamento social e à valorização da cidadania é coerente com a linha adotada pela Companhia de Jesus. Ficaram para trás os tempos em que a educação religiosa no Santo Inácio incluía missas obrigatórias aos domingos, em que meninos de paletó bradavam hinos dos jesuítas. A palavra de ordem agora é convivência. Os adolescentes são estimulados a participar de programas de intercâmbio que os conduzem ao seio de comunidades carentes. Pollyana Passos, de 17 anos, aluna da 1ª série do ensino médio, dedicou uma semana das férias de julho a uma família de lavradores na paupérrima comunidade de Emboacica, nas proximidades de Anchieta, no Espírito Santo. A menina pegava no pesado: trabalhava na horta, ajudava a arrumar a casa e a cozinhar. À tarde, saía de cavalo ou bicicleta para visitar outras famílias da comunidade, para rezar ou simplesmente dar apoio. "Para mim, foi um baque. Eles não têm água quente nem transporte e alguns até passam fome. Mas, apesar de todas as dificuldades, têm muita fé. A cada dia acordava com mais vontade de ajudar", conta ela, que continua a se corresponder com a família que a abrigou. André Cordeiro e Suzana Barbosa, ambos com 16 anos, contam que nunca haviam convivido com pessoas tão pobres antes da visita a Anchieta. Inconformado com a falta de iniciativa das pessoas da cidade, André convenceu alguns jovens a visitar com ele as famílias mais carentes. "Acho que plantei uma semente", diz.

A coordenadora de língua portuguesa Regina Carvalho, 54 anos, professora da 3ª série do ensino médio, é um bom exemplo de que o pluralismo ideológico habita o prédio da São Clemente. Militante do movimento estudantil nos anos 60, foi exilada na França. Nos dez anos em que viveu fora do país, fez mestrado de literatura na Sorbonne. Ela acredita que o papel de um professor em uma escola como o Colégio Santo Inácio é o de mostrar aos alunos de elite que eles têm um papel social a cumprir. "Ser professor é bom por causa disso. A gente tem a chance de formar pessoas mais solidárias, que queiram um país melhor", acredita. Ela conta que, mesmo trabalhando numa escola católica, freqüentada por algumas das famílias mais tradicionais da cidade, nunca foi questionada sobre suas posições políticas. "Há dez anos dou aula aqui. Sempre fui muito respeitada porque confesso que vivi e dei o melhor de mim naquela época", conta.

Os alunos Bernardo Senna, de 15 anos, estudante do 1º ano, e Felipe Caruso, de 16 anos, aluno do 2º ano do ensino médio, garantem que a relação do Grêmio Estudantil (Gesi) com a direção da escola é muito aberta. Eles são consultados sobre questões que envolvem os estudantes, participam da organização de palestras dentro do colégio e enumeram algumas vitórias. As duas mais marcantes são a publicação de 1.000 exemplares de um boletim bimestral de oito páginas em off-set e a realização, pelo segundo ano, de um festival de bandas com alunos e ex-alunos, durante uma das mais tradicionais festas do Santo Inácio, a Festa da Solidariedade Inaciana (Fesoi). Mas não é apenas dentro dos muros do Santo Inácio que o grêmio marca presença. "O colégio participou em massa do congresso da Associação Municipal de Estudantes Secundaristas, realizado na Uerj. Representamos bem os estudantes da Zona Sul", comemora Bernardo. Eles consideram a disciplina no colégio razoável. Até o advento da lei que proíbe o fumo dentro das escolas, os alunos tinham permissão para dar suas tragadas no pátio externo. Não há muitas exigências quanto ao uniforme, mas as saias estão proibidas para as meninas, assim como os chinelos e as sandálias de plástico.

A advogada Juliana Gomensoro Telles, de 23 anos, formada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, lembra com saudade dos tempos de Santo Inácio e concorda que o esquema de disciplina não era rígido. "Poucas vezes vi atos arbitrários", conta. Um de seus maiores orgulhos é estar na foto que se encontra no quadro de formandos de 1997, assim como seu avô Tancredo Guimarães Gomensoro, fotografado com a turma de 1938. "Se tivesse um filho, com certeza ele estudaria no Santo Inácio. Além de um bom ensino, o colégio transmite noções sobre a vida em comunidade", afirma.

 

Ex-alunos se espalham por diversas áreas

Ricardo Fasanello/Strana
ARMÍNIO FRAGA
Presidente do Banco Central, formou-se na turma de 1975
João Raposo
ARNALDO JABOR
Cronista e cineasta, foi da turma de 1959
Dilmar Cavalher/Strana
MARCOS VALLE
O compositor formou-se na turma de 1961
J. N. Ricardo
SILVIA PFEIFER
A ex-modelo e atriz fez parte da turma de 1976
Paulo Jares
EDU LOBO
Mais um compositor saído da turma de 1961
Marcus Mendonça
EDUARDO MOSCOVIS
O ator saiu dos bancos do Santo Inácio em 1986
Ana Araujo
PEDRO MALAN
O ministro da Fazenda formou-se na turma de 1960
Dilmar Cavalher/Strana
NELSON MOTTA
O escritor e compositor é um dos formados em 1963